quarta-feira, 16 de maio de 2012

Indicação de leitura.

Comecei a ler...
Quando vi, estava num monólogo sem plateia...
entoando em voz alta estes cantos.

Muito bom! Merece o Mundo!
Publico no meu blog e digo merece uma interpretação teatral.

Um abraço!

Prof. Nairo Bentes

*O texto foi retirado do blog Felipov, eu-lírico da tabacaria.

Não!


“Há muitos modos de afirmar; há um só de negar tudo”
(Machado de Assis)


Eu vos direi no entanto:
Enquanto houver espaço,
 corpo e tempo e
 algum modo de dizer não
Eu canto
(Belchior)
Não!

Sem paciência. 

Sem moderação. 

Sem aquiescência.

A vida exige mais pessoas sem paciência. Mais pessoas corajosas. Mais pessoas indignadas. Mais pessoas destemidas. Mais pessoas que não tem o que perder. Mais pessoas que não tem medo. Há na vida muitas exigências, muitas cobranças, muitas necessidades, muitas urgências. Exigências que são razoavelmente atendidas, parcamente satisfeitas, debilmente realizadas.

Não há o que esperar.

Ação, movimento, agitação. Abolição do cruzar de braços. Emancipação do baixar cabeça. Destruição da docilidade. Palavras mansas, vozes calmas, grilhões fortes. É necessário gritar, vociferar, uivar. É necessário discutir, debater, subverter, controverter. É necessário xingar, ofender, insultar, ultrajar, afrontar a plenos pulmões.

Esperar é para os fracos.

A força dos fortes baseia-se na contemplação dos fracos. O fraco em si não é fraco, sua fraqueza se deve a sua espera, a sua calma, a sua bondade, a sua caridade, em suma, a sua submissão. Os fortes apenas dominam. A sua dominação é simples. A sua dominação é fazer com que o fraco não se perceba forte. É o fraco ver-se sozinho.

A vida exige luta, solidariedade, confronto, compaixão, combate, honestidade, integridade, violência, justiça. O soco na cara é mais eloquente, persuasivo, esclarecedor em comparação aos mais bem construídos e pomposos argumentos. O punho cerrado diz mais, faz mais, muda mais. O soco no estômago é o melhor dos argumentos.

Não!

É o tempo da negação. É tempo de cobrança. É tempo de reparação. É a vez dos fracos. É a vez dos vencidos. É a vez de daqueles que nunca tiveram vez.

Aqueles que constroem o mundo, braços fatigados, costas desgastadas, mãos calejadas, pés corroídos, pulmões estafados, corações atormentados pela esperança de dias de melhor sorte, mentes cansadas, letárgicas de tantas rezas, promessas, promissões adiadas, esquecidas, mentiras que se perpetuam, aqueles que carregam o fardo histórico, séculos, séculos e mais séculos de fardo colonial, imperial, republicano, ditatorial e democrático, o legado da derrota, a herança de extinguir suas existências na expiação diária, do tempo expropriado, do sangue entornado, do suor acerbo, da civilização, do progresso, da tecnologia, a era da informação, a cibercultura, tem sob os seus pés calçados da mais fina soberba a vida ininterrupta de homens, mulheres, crianças e idosos que foram triturados nas engrenagens que sustentam as benesses da sociedade do consumo, as cavernas refrigeradas com suas galerias de lojas, cinemas, cafés, fast foods, delivery, fitness, business são possíveis em razão de sequência de dias, anos, décadas, séculos do não silenciado a duros golpes do sim benevolente.

A sociedade de classe, a mão invisível do mercado, o modo de vida ocidental, a cultura judaico-cristã, as nossas vidas americanizadas, a nossa maneira de comer, de beber, de cagar, de amar precisam ser radicalmente negadas, apenas a negação de nós mesmos é que conseguiremos construir uma ordem das coisas na qual dizer não seja somente uma possibilidade e ao invés de um imperativo inadiável.

O sangue africano cobra! O sofrimento, o saque, o genocídio ameríndio cobra! Os quilombos gritam! Os malês gritam! Os cabanos gritam! Os zapatistas gritam! Os cubanos gritam! As periferias do mundo todo gritam!

Basta!

Não, de maneira única, eu canto!*

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