sábado, 6 de novembro de 2010

Dividimos o mundo assim...

Faz uns dois meses já... Quinta-feira, dia 16 de setembro de 2010. Sei a data porque logo após o ocorrido rascunhei umas cinco linhas, mas parei.

Vamos ao fato de hoje.

Numa rápida parada para comprar algo pra comer em frente à farmácia. Uma daquelas cenas que se passa numa fração de segundos.

No carro, olhei para frente da farmácia. Havia um menino. Ele dormia – era negro – no bicicletário, no chão. Eu ainda estava no carro. Próximo a mim passou uma senhora com uma criança. Feito os cálculos e proporções, ela deveria ter uns 55 anos e a neta uns 7. É, eu acho que era neta.

A menininha passou pela farmácia olhando fixamente para o mendigo. É, era um mendigo. Como diz Gabriel, o Pensador: O resto do Mundo.

A vó, vendo que a menina olhara atentamente. Não hesitou: “-Olha! Ta vendo! Não quis estudar! Isso que acontece!”

Então... É assim que o mundo nos cria, que a sociedade nos forma. Seres desiguais. Desigualdade essa naturalizada de tal maneira que aprendemos e acreditamos cegamente que qualquer sucesso, vitória ou ascensão na vida, acontece unicamente pelo esforço individual de cada um. A derrota, a não-conquista e o fracasso, ocorrem somente para quem não se esforçou o bastante. Somos assim. Dividimos o mundo assim: entre os que merecem e os que não merecem. Entre os que se esforçaram e os que não se esforçaram.

Acreditamos que toda a desigualdade que existe aqui, é proveniente apenas da falta de esforço dos pobres, pobres coitados. Pensamos assim, e ensinamos assim pros nossos filhos. Todos ensinam. E eles aprendem. Aprendem a acreditar no mérito individual e - se bem sucedidos - aprendem que os outros são fracassados. E, os supostos fracassados, aprendem a mesma coisa, a sua condição de fracassados.

Não percebemos que tudo isso é fruto de um sistema. Em que a existência da desigualdade social é o motor dele.

Nos acostumamos a competir uns com os outros. Aprendemos a competição de mercado. É tudo normal. Aceitamos ser avaliados pelo nosso desempenho, onde somente poucos são bons. Podemos ter 20 pessoas capacitadas, mas somente 2 terão a vaga de chefia e aumento salarial. Temos 80 mil querendo entrar na UFPA, mas somente 4 mil vão entrar. E os 76 mil restantes? Foda-se. É isso que o sistema faz com a gente. Foda-se! São fracassados! Não se esforçaram o bastante! Se tivessem estudado, conseguiriam. A gente pensa assim. Pense agora nos 60 milhões de jovens no País...

E nós, o que fazemos? Aceitamos o sistema. Para nós, o mendigo da calçada da farmácia não quis estudar. É um vagabundo. Um cheira-cola. Não quis estudar.

E o pior, é que grande parte da sociedade chama todos os políticos de ladrão e que todos são iguais. Não percebem que essa mudança social depende das pessoas que estão fazendo a política e das que se omitem de fazer. E o pior, agem como se política fosse feita somente pelos parlamentares. Não se mexem. Não se consideram sujeitos políticos. São inertes. Acomodados. Ao mesmo tempo escravos e cúmplices do sistema.

O sistema capitalista nos faz preocupar com a competição. Em querer ser melhor que os outros. Nos adaptamos burramente à meritocracia. Burramente e cegamente. Nos fazemos escravos e não percebemos que a luta do dia-a-dia não é aquela luta pela competição que favoreça a desigualdade, que nos quer uns melhores que os outros. A verdadeira luta é contra a opressão, a exploração, contra o tal do sistema, contra a desigualdade.

Pela paz, pela vida, pela igualdade.

Nairo Bentes

14 comentários:

Nairo Bentes; disse...

Tornem-se seguidores do blog ;)

*Ane Henderson* disse...

Chorei! Não de pena do menino que dormia na farmácia, não de raiva do sistema, chorei foi de tristeza mesmo! Tristeza por que no fundo percebo tudo isso, mas continuo sentada no sofá de casa assistindo a novela das 8 assim como quase todos os outros 184. 999 milhões de brasileiros. Tristeza pq a gente esquece que o sistema não é abstrato, que é feito de pessoas e que pessoas quer dizer cada um de nós. Me entristece que a gente tenha se acostumado e que, como disse Nairo, tudo seja normal, me entristece ir engolindo a muito custo e ainda sim permanecer de mãos atadas por que ainda que eu estremeça de raiva diante de uma atitude como a da vovó citada no texto, em algum momento que eu nem me lembro mais, eu fiz uma escolha...eu não ignoro, mas eu escolhi me adaptar e sobreviver e ir sobrevivendo... e SÓ sobrevivendo...

=/

Nairo Bentes; disse...

E quem sozinho conseguiria transgredir o pouco que fosse?
Obrigado pelo comentário!!!

Unknown disse...

Muito interessante teu texto, Nairo. As pessoas acreditam ainda, quase em sua totalidade, que não fazem parte do sistema político e acreditam que não vão fazer diferença. Com isso, acomodam-se e esquecem que apenas nós poderemos mudar esse sistema.

Vamos continuar a luta, vamos continuar a militância. Alguém tem que fazer algo para mudar.

Nairo Bentes; disse...

Existem aqueles que percebem e se isentam de responsabilidade. Se limitam cordialmente a se adaptar. Pior os que nem percebem a exploração que sofrem. Valeu pelo comentário Davis.

Rafael Pacheco disse...

Pois é, meu caro amigo Niro Bentes.
Assunto importante, é muito vasto.
Faço de um poema de Mario Quintana, as minhas palavras.


Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!
(...)


grande abraço.

Rafael Pacheco disse...

Nairo*

Desculpa.

Carlos Sacramenta disse...

Vc foi muito incisivo no seu texto. Só não entende quem não quer mudar esse estado de coisas. Infelizmente a competição é o que nos norteia nesta vida agitada. E já estamos nos acostumando a ver cenas tristes como essas pela nossa querida cidade.

D.S. disse...

Quando li o seu texto pensei muitas coisas, é claro. Coisas como estudante de pós, como pedagoga, cidadã, mulher, pesquisadora e etc..Refleti que de fato acabamos ocupando por diversas vezes espaços que podem nos permitir dois caminhos: o de seguir o limite posto e o de tentar ultrapassar esse limite. Tento entender que alguns, como você, tenham, talvez, mais coragem e ousadia, para romper barreiras. Para se incomodar e agir. Outros, ou tentam plantar grão a grão, no que podem, do lugar de onde estão, a sua maneira ou se acomodam. E ai nesse caso, dependendo do contexto, pode sim ser uma responsabilidade social que afeta um coletivo.
De fato somos moldados a um sistema em que o resultado é miséria, exclusão, preconceito, negação de direitos. E isso pode ser encontrado dos recintos familiares ao que denominamos de espaço escolar. Você da pistas escancaradas de como contornar esse cenário. Porém é importante pensar sempre que são caminhos mínimos. É nisso que vou pensar antes de dormir..

Beijo no coração.

Ana disse...

Nossa... lendo lembrei da música que escutei hoje no trajeto casa-trabalho, do grande Seu Jorge:

Se eu pudesse eu dava um toque em meu destino
Não seria um peregrino nesse imenso mundo cão
Nem o bom menino que vendeu limão
Trabalhou na feira pra comprar seu pão
Não aprendia as maldades que essa vida tem mataria
a minha fome sem ter que roubar ninguem
Juro que nem conhecia a famosa funabem
Onde foi a minha morada desde os tempos de neném
É ruim acordar de madrugada pra vender bala no trem
Se eu pudesse eu tocava em meu destino
Hoje eu seria alguem
Seria um intelectual
Mas como não tive chance de ter estudado em colégio legal Muitos me chama de pivete
Mas poucos me deram um apoio moral
Se eu pudesse eu não seria um problema social

Ana disse...

Aliais, isso tudo acabou de me lembrar daquele filme "Anjos do Sol", já assistiu meu amigo?
NO fim do filme, a menina que viveu na prostituição a curta vida toda dela, tenta sair dessa vida, ou melhor fugir, mas não consegue, simplesmente porque não teve opção.
É fácil olhar uma criança dessas e dizer, "não quis estudar", ou "ah, é um vagabundo!", mas na verdade muitos nem tiveram a oportunidade de ter outras opções... nem sabem que existem outras opções.
=(

Nairo Bentes; disse...

Rafael Pacheco, eu ia até pedir mesmo esses versos do Quintana que havia comentado comigo outrora. Obrigado!

Nairo Bentes; disse...

Oi Ana, boa a música. Sobre o filme, ainda não assisti, tenho ele aqui, vou já ver! Obrigado pela visita Carlos Sacramenta, Dayana Souza, Ana e à outros que vem por aqui não comentam mas, com certeza, conseguem refletir!
Um abraço!!

*Ane Henderson* disse...

estive pensando...e descobri que tem um equívoco no meu comentário anterior, preciso te explicar isso melhor...mas acho que isso exige uma mesa de bar e algumas cervejas rsrsrsr, mas é muito sério, preciso falar sobre isso com vc! bjs