Raul já dizia:
“Eu prefiro ser essa metamorfose
ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo. Eu vou desdizer
agora o oposto do que eu disse antes, eu prefiro ser essa metamorfose
ambulante!”
Certo dia,
dando aula numa turma de jovens na terceira etapa do ensino fundamental, ou
melhor, neste dia, tentando dar aula...
Eu não lembro
se estava lendo um texto coletivamente com a turma, ou se estava refletindo
sobre algum problema que envolvesse raciocínio lógico matemático, pouco
importa.
O fato é que
estava em um momento de difícil concentração, turma agitada, chamei a atenção,
pedi silêncio, bati com o cadeado em cima da mesa, mas hora ou outra algum
aluno falava, outro mandava calar a boca, um terceiro falava “Aaah! Aaaaah! Aaaaah!”, e a bagunça
continuava.
Então que, com
o objetivo de conter a conversa, um dos alunos emana: “Quem falar é gay!”
O silêncio
pairou por alguns milésimos de segundo, até eu retomar a fala e novamente ser
interrompido por outro aluno: “Rá, rá,
rá! O professor falou!”, e todos começarem a rir.
Naquela turma
tenho alunos homossexuais – tanto homens, quanto mulheres – que sofrem bullying
diariamente na escola e o preconceito e a intolerância da sociedade que todos
nós sabemos ou fingimos não saber, ou
somos tapados ao extremo. Enfim, não podia ficar por aquilo.
Então,
interrompi as risadas, questionando-os: “Por
quê as risadas?!”. Eles pararam. Um ainda disse, achando graça novamente: “Por que o senhor que falou!”. Os outros
riram novamente. Perguntei: “E aí?”.
Pararam novamente.
Então, os
indaguei: “Porque estão falando isso? É
errado ser gay? É isso?”. Alguns balançaram a cabeça negativamente, como
quem diz: “não, não!”.
Então,
refleti: “Vocês acham que é errado, sim!
Pois, em que contexto falaram?”.
Um dos alunos
disse: “– Eu não falei nada!”.
Respondi a ele: “Mas rio, achou graça!
Todos riram! Todos fizeram o segundo de silêncio para não receber aquele
‘rótulo’!”.
Então
continuei:
“É errado atrapalhar a aula do professor?
Sim, pois da maneira que vocês se
manifestaram, dá pra perceber que vocês querem demonstrar que este
comportamento é errado. ”
Alguns ficaram
calados, outros disseram que não. Eu continuei:
“Raciocinem comigo, todos concordam que, se
o professor está explicando a matéria, dando aula, é errado ficar de conversas
paralelas atrapalhando a aula do professor, logo, se um aluno fala: ‘Quem falar
é gay!’, e se, como vocês já disseram , é errado falar naquele momento, logo, é
errado ser gay. Na cabeça de vocês é assim! Não é?”
Ficaram chocados,
com cara de espanto, como quem dissesse: “Égua,
a gente pensa assim mesmo.” Então continuei, como os principais atores
dessa intolerância são os meninos:
“Vocês querem que todos seja MACHOS que nem
vocês! Na cabeça de vocês, ninguém pode ser gay, todos tem que ser MACHOS,
porra! ‘Quem falar é gay! Por que é errado ser gay! E eu quero todo mundo macho
que nem eu!’
Não digam que não! Vocês pensam assim, sim!
Nossa sociedade pensa assim! Nós pensamos assim! É preciso que abramos nossa
mente, desconstruindo estes conceitos. O que você tem a ver se o seu colega for
gay? Se a sua amiga for lésbica? Se eu for gay? O que isso muda na vida de
vocês?”
Fizeram cara
de espanto novamente...
Por fim, foi
uma aula que rendeu boas reflexões, para nos fazer perceber que, quem não segue
o comportamento heteronormatizado, está errado aos olhos dessa sociedade e
passa a ser tratado com discriminação e intolerância.
Estes assuntos
tem de ser debatidos dentro da escola. Há mais de cinco anos, expressei minha
opinião contra a distribuição do kit anti-homofobia nas escolas, aqui neste
blog, veja no link, hoje começo este texto com a
música de Raul, por quê realmente percebo que mudei de opinião. Não podemos,
professores e escolas, continuar omissos frente à atos de intolerância
praticados diariamente contra estas pessoas. O material anti-homofobia precisa
ser trabalhado nas escolas com a devida orientação e formação dos docentes.
Assim com a
luta contra o racismo não pode ser uma luta somente dos negros, a luta contra a
homofobia – que hoje já compreendo o conceito e acredito que ainda pratico por
descuido em frases feitas e jargões – não pode ser somente dos homossexuais. E,
me desdizendo, homofobia existe, e não é medo, mas pura intolerância e
ignorância.
E pra
finalizar, um até logo, e digo que, com debates nas escolas todos nós podemos
nos livrar daquela velha opinião formada sobre tudo. A charge é do meu amigo Brahim Darwich,
professor e cartunista, feita exclusivamente para o nosso blog! Valeu Brahim!
Bom final de
semana para todos os leitores!
Um abraço!
Prof. Nairo
Bentes
5 comentários:
Gostei muito e estou fazendo as minhas reflexões aqui...
Muito boa a charge do Brahim, ele é um verdadeiro valentão!
Parabéns, Nairo! Estamos precisando de espaços mais momentos para desdizer o oposto do que falamos antes...
Falou tudo professor, lembro no tempo de ensino fundamental a onde eu era o motivo de risinhos e piadas infame, isso fazia eu me senti muito mal, pois não queria ser diferente deles!
Mas até que eu percebi que deveria ser aceito do jeito que sou e que se gay e algo normal, e que professores tem que trabalha, dialoga com os alunos sobre o assunto.
Gratidão professor por expor isso e demonstra que nossa sociedade e nossas escolas ainda tem vivindo esse tipo de coisa, esse preconceito ridículo.
Valeu, meu amigo Dicleidson! Sempre aprendemos mais!
Valeu, Victor! Obrigado pela leitura e comentário!
A partir de que idade achas que os alunos devem ter acesso ao kit?
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